quinta-feira, 29 de março de 2007

Clichê


Eu sei que dizer que o centro de Porto Alegre é histórico é clichê, que no centro tem gente de todas as classes sociais é clichê, que falar que o centro é barulhento é clichê, que o centro é perigoso também.

Eu sei que dizer que tem velhinhos jogando dominó na Praça da Alfândega pode ser clichê, que tem roupa barata e que tem engraxate desde os tempos que minha avó era paquita fazendo seu serviço , pode ser lugar comum.

Eu sei que dizer que no centro tem todas as raças, todas as crenças, todos os tipos e biotipos de pessoas, é clichê. Que ouvir "Fábica de calcinha", "Compro e vendo oro", "Mata barata" e "Piercing e tatuagem" já é velho.

O centro é democrático! Viva o centro porto-alegrense e seus camelôs, pombas, vendedores ambulantes, vitrines e prédios históricos. Não há nada mais clichê que gostar de alguns lugares da cidade em que moramos. Um dia eu odiei o centro, hoje amo.

segunda-feira, 26 de março de 2007

Página virada

Peguei a tristeza e enfiei ela no sotão
Pintei um quadro colorido e chamei-o de Sonho
Cortei o cabelo e decepei a Priscila que eu não mais queria
Sobrou a essência e a expectativa
Nada mais
Nada menos
Pois às vezes sou Mais
E algumas outras, sou Menos
Fiz uma tatuagem de sol
Para ter luz em qualquer escuridão
Virei a página
E rabisquei traços e linhas novas
Nesta coisa engraçada
E indescritível
que apelidamos de Vida

quinta-feira, 22 de março de 2007

Água de beber, água de cuidar

Hoje é o dia mundial da água e quase fiquei sem banho!

Fiz o ritual de sempre, peguei a toalha, as peças íntimas, a roupa que iria colocar. Liguei o som em alto volume, prendi o cabelo, me olhei no espelho antes de entrar no box.

Abri a torneira do lado direito e a água que caiu em cima de mim estava totalmente gelada! A palavra que pudesse expressar o meu descontentamento para aquele momento seria um palavrão bem grotesco. Sim, o chuveiro queimou de novo.

Não tinha jeito, tinha de enfrentar aquele líquido gélido de qualquer forma, pois teria tarefas a fazer o dia inteiro e não sobraria tempo para chamar o eletricista.

1, 2, 3 e...

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh, comecei a dar pulos e gritos no box, feito um gato desesperado ao tomar banho. Ainda bem que a Pan não estava em casa, pois certamente ela iria reclamar de meus berros.

No final me acostumei com toda aquela situação e acabei gostando de tomar banho gelado.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Tamanho não é documento

Eu e Vini chamamos o taxi. Ao entrar no automóvel, falamos ao homem do volante o lugar aonde queremos ir. O taxista é grandalhão, seu corpo ultrapassa o banco. Não é gordura, é porte mesmo.

Falo para o Vini que a minha amiga Maria Antonieta está nos esperando na frente do Teatro São Pedro. O taxista fala:

- Meu irmão tem uma filha chamada Maria Antonieta. Sabem como ele a chama?

Silencio e curiosidade pairam no interior do carro. Eu e Vini esperamos meio segundo, ansiosamente, pelo desenrolar do papo.

- Corneta!

E ele continua...

- E ela tem uma irmã chamada Daniela, e sabem como meu irmão a chama?

Eu e Vini esperávamos pela resposta, já segurando o riso:

- Cara de panela!

sexta-feira, 16 de março de 2007

Canção

" Qual dia somos nós
Nós somos todos os dias
Meu amigo
Nós somos toda a vida
Meu amor
Nós nos amamos e nós vivemos
Nós vivemos e nós nos amamos
E não sabemos o que é a vida
E não sabemos o que é o dia
E não sabemos o que é o amor"

Jacques Prévert

O comum é diferente ou o diferente é comum?



Hoje fui comprar ingressos para o Tholl. Quando eu estava atravessando a rua em direção ao Teatro São Pedro, enxergo uma fila quilométrica. Não queria acreditar que teria de enfrentá-la. Falei com a última pessoa, e ela fez positivo com a cabeça quando lhe perguntei se aquela fila era para o espetáculo.

Ainda bem que o calor estava moderado, assim ficou mais fácil esperar 10 minutos para que as pessoas andassem um centímetro. Um homem passou pela longa fila e ficou olhando curiosamente, meio perdido, a fim de saber para o que servia. Ele estava com a boca entreaberta e expressão atenta. Olhando para o amontoado de gente na calçada da rua Riachuelo. Me deu vontade de avisá-lo que era apenas um espetáculo vindo de Pelotas e que parece ser muito bonito. Não era nenhuma super liquidação, não. Nem ninguém estava leiloando carros importados a preço de banana. Mas ele não perguntou para ninguém, e me sentiria tola fazendo isso.

Na mesma hora, pensei que se eu e mais meia dúzia de pessoas ficássemos olhando juntas para um determinado lugar, para o céu, por exemplo, o homem passaria fazendo a mesma cara de curiosidade. E neste momento, ri.

Ri, primeiro porque a curiosidade da gente se eleva quando vimos um amontoado de gente fazendo algo, ou olhando algo. A gente logo quer ver o que é. O que tal coisa tem de bom, de novo ou de surpreendente. Como se quiséssemos, lá no fundo, ser sempre surpreendidos.

Ri também pois quando tem uma aglomerado de gente, queremos ver o que é ou fazer o que estão fazendo para nos sentirmos iguais, comuns, queremos "fazer parte".

Ri disto tudo , não por ser super engraçado ou quase uma comédia. Ri, pela condição humana. Mesmo tendo cabelo verde, piercing no mamilo, tatoo no pulso, roupas diferentes, dente de ouro, pulseira importada, bolsa peruana, boné inglês, queremos ter alguém que se identifique com a gente. Uma pessoa que no meio daquele amontoado de gente, tenha algo em comum e que te desperte a curiosidade mesmo quando ela não estiver junto com meia dúzia de pessoas apontando para o céu.

domingo, 11 de março de 2007

Final - de - semana canino


Estávamos eu e a Pan indo almoçar no shopping. A lotação estava demorando para aparecer. Eu e a Pan ouvimos um choro de um cachorro, olhamos para o chão e vimos uma criança com seus pais e um cão pequeno e branquinho a chorar: caim, caim...

Perguntei ao menino se aquele cão era seu, os pais do guri responderam que não, que o cão era da rua. Nem parecia, porque parecia limpo e sem sarnas ou algo do gênero. E o cão continuava a implorar pela atenção humana com seus choros.

A Pan, já sensibilizada, subiu até nosso apartamento e pegou leite para o coitado do cachorro que chorava feito uma criança. Deixamos ele se deliciando de leite, enquanto a gente voltava, silenciosamente, até a parada. Poucos minutos depois lá estava o cão abandonado. Chorando ao nosso lado novamente. Era apenas um bicho irracional, mas parecia saber o que chatagem emocional significava.

Uma mulher da parada disse que talvez naquela casa ali perto, onde funciona um restaurante podiam querer ficar com o bicho. Peguei a cadela no colo ( sim, era uma cadelinha, pude perceber ao pegá-la ) e fui até o restaurante, que estava fechado. Bati e ninguém apareceu. Resolvi deixar a cadela ali na porta. Talvez os donos quisessem ficar com ela. Era tão meiga e bonitinha, nem parecia vira-lata de rua.

30 segundos depois lá estava a cadela a chorar ao lado de mim e da Pan, que não tínhamos pegado a lotação por causa daquela pequena praga! Lembrei de uma veterinária que doavam cães de rua e resolvi levar a cadelinha até lá. A Pan ficou me esperando no shopping para almoçar. E lá fui eu na minha boa ação do dia. No ônibus, fiquei sentada, quase sem respirar e tentando esconder a cadela. Nem passei pela roleta, senão o cobrador poderia reclamar, com razão ainda por cima. Um velhinho olhou para Meg e sorriu. Eu nem dei trela, quanto menos barulho eu e a cadela fizesse, melhor para ambas.

Cheguei na veterinária e uma senhora ficou encantada com a Meg ( a esta altura até nome eu já tinha dado a ela). Eu perguntei se a velhinha não queria ficar com a cadela. Não. A veterinária. Muito menos.

Saí pela rua e perguntei para um casal, que ficou em dúvida, mas não levou. Garanto se fosse um podlle ia ser mais fácil.

A Pan me liga: "Tu não vem almoçar"? Aviso que não quiseram ficar com a Meg e que eu ia dar um jeito. Lembro que o tio Carlinhos mora ali perto. Tio Carlinhos está de mudança não pode ficar com a cadela, mas disse que no dia seguinte teria brique, onde doam muitos animais. Peço que ele fique com ela até eu voltar do almoço. Feito!

Chego no shopping, tento convencer a Pan de ficarmos com a Meg, fico sem compainha para o almoço depois da tentativa e de breve discussões.

Pego a Meg no tio Carlinhos e a levo banhada (com xampu elséve) para a casa da amiga Lili. À noite eu teria uma formatura. Lili cuidaria da cadela até o outro dia de manhã.

No outro dia Lili liga. Meg havia cagado todo o apt dela. Sim... cagado por tudo mesmo! Ela e seu namorado não conseguiram dormir direito, pois Meg tinha chorado a noite inteira. Depois deste telefonema, que foi quase um apelo, fui correndo até a casa da Lili.

Lili e Wagner falam que a Meg é muito chata, que ela chora demais, que deve estar doente ou algo assim. Se eu tivesse visto o cocô dela, que Lili disse que era molenga e demasiadamente fedido, talvez eu não gostasse tanto da Meg também...

Chego noutra veterinária, onde estava ocorrendo doações de vira-latas. Penso: "Pronto, agora sim achei o lugar da Meg". A mulher diz que a cadela precisa fazer quarentena a base de anti-vermes e vacinas para que ela possa misturar-se aos outros cães. 40 dias com a Meg lá em quase não ia dar, definitivamente. Era ela ou a Pan.

Vou até o brique, já desolada. Meg não podia ir para a minha casa. Minha expressão era de cadela abandonada, como a da Meg.

Um pessoal da redenção adorou Meg. Uma vendedora de algodão doce quer ficaria com ela. Mas não pode, pois trabalha o dia inteiro e mora em JK.

Meg caminha pela redenção dando o ar de sua graça, um homem convida ela com seu cachorro-quente. Ela passeia a gente fica olhando ela dar seu show.

Depois de mais ou menos uma hora, uma mulher vem falar comigo sobre a Meg, a pega no colo e diz que vai ficar com ela pela noite. Na segunda, a levará numa veterinária no Moinhos de Vento, para doarem a pobre Meg.

A mulher que ficou com Meg me dá seu telefone. Ligo para ela no dia seguinte. Ela disse que deu vacinas e os devidos remédios para Meg. E que deixara a cadelinha na veterinária. Diz que Meg chorava e reagira bravamente enquanto era colocada na jaula.

Não fui vê-la na veterinária, o que os olhos não vêem o coração não sente , já dizia o ditado.

quarta-feira, 7 de março de 2007

Excesso de Carga


Hoje entrei no ônibus depois da aula. Eu estava cansada e com um pouco de sono. Por sorte consegui um lugar para sentar. O ônibus era aqueles "minhocão", beeeeem comprido. Mesmo assim, ele foi lotando. O calor era insuportável. Porém, mais insuportável ainda era a cobradora gritando: " Mais um passinho acima, mais uma passinho, pessoal"! Enquanto as pessoas passavam pela roleta com expressões de cansadas.

Eu realmente não entendo porque os cobradores de ônibus de Porto Alegre fazem isso. Eles devem fazer um curso de como ser incoerentes. Eles têm a mania de ficar pedindo que as pessoas entrem no ônibus e fiquem cada vez mais expremidas lá dentro! As pessoas sabem que têm que entrar, não precisa explicar como se faz isso. Eu me senti num legítimo rebanho, sendo guiada pelo tropeiro. O ônibus parecia aqueles caminhões que transportam galinhas, cavalos ou vacas pela estrada.

Todas as pessoas no ônibus exaustas, cansadas pela lida diária, voltando para casa e tendo de ouvir gritos como se fossem bichos irracionais (acho que nem um cachorro merecia aquilo). Teve um momento que a cobradora gritou em tom de ameaça:"Pessoal, a minha garganta vai estourar"! Ao olhar para uma guria que estava sentada na minha frente com uma expressão de perplexidade, eu falei: "Tomara que estoure"! E demos risada de toda aquela situação.

segunda-feira, 5 de março de 2007

Vizinhos


Sempre morei em apartamento, (ou apertamento?) e foram muitos os vizinhos que conheci até então. O Augusto do andar debaixo era um porco. Aparentava 25 anos, cabelo loiro e enrolado, alto e fisionomia grosseira, minha empregada reclamava dele, pois dava arrotos em alto volume enquanto ela preparava o almoço para a gente. Ela sempre falava mal do guri, passando a impressão de que sua casa devia ser feia, com meias e cuecas por cima de abajures e cheiro de murrinha.


Ricardo era uns 2 anos mais novo que eu. Ele era filho da síndica, a Juca. A Juca era simpática, gente fina, o marido dela também, o Wilson. Ambos discretos, porém educados. O caçula tinha cara de ser o mais tinhoso. Às vezes eu chegava em casa e a mãe ou a Pan não estavam, daí eu batia no apartamento da Juca para ligar para tentar achá-las. E ela sempre abria a porta com um sorriso no rosto, jeito de síndica mesmo. Aquele tipo de pessoas que todos gostam, gente simples, quieta e de bem com a vida.

No último andar morava a Laurinha e o Mauro, ambos mais novos que eu. Os pais deles eram separados e eles moravam com a mãe e a avó. O pai era grandão, bonitão e meio loucão. Mas Laurinha e Mauro eram gente fina. Eles apertavam a minha campainha e corriam quando eu abria a porta. O pai deles às vezes ia visitá-los em nosso prédio. Uma vez passei por ele com uma caixa de bis, ele ficou olhando fixo para a minha caixa de bis. A mãe e a avó da Laurinha e do Mauro eram queridas, muitas vezes quando eu precisava ligar para alguém e a Juca não estava em seu apt, eu subia mais escadas e batia na casa delas.

Teve um época que uma família de árabes morou no mesmo andar de Augusto. Eles não se misturavam muito. Era um casal e seus dois filhos adolescentes que nunca brincavam lá na garagem com a gurizada. Uma vez eles chamaram um vizinho que era médico para socorrer o filho dos árabes que tinha grudado o olho com super-bonder. Depois não soube notícias.

Na frente do apartamento do Augusto morou uma mulher loira de uns 55 anos que ficava tirando pêlos do queixo com uma pinça no corredor do prédio. Ela deixava a porta de seu apt entreaberta e segurava um espelho na mão, bem concentrada. Ninguém que passasse no corredor atrapalhava seu momento de vaidade.

Teve uma época que um casal atormentava eu e minha irmã com boleros durante todo o final de semana. O refrão de um deles era: " Ai, ai amor..." Um dia, eu já adolescente, resolvi subir até o último andar pedir que baixassem a música. Minha irmã não acreditou que eu faria aquilo, mas fui até o apt deles e acho que acabei atrapalhando o romance. Eles demoraram muito para abrir a porta e quando o fizeram, percebi que tinha mesmo atrapalhado. Os dois estavam amarrotados e sem jeito.

Mesmo que fosse para encher o saco , minha relação com meus antigos vizinhos era mais presente. Hoje em dia meu relacionamento limita-se a dar "oi" aos porteiros. Cumprimento também uma velhinha que cuida o dia inteiro da neta. Hoje, jogando fora uma bolsa que não quero mais, pensei se talvez uma vizinha ia querer ficar com ela. Os jornais que leio e depois descarto poderiam ser repassados para os vizinhos se eu tivesse mais contato. Mas este ritmo de cidade grande e o jeito individualista que levamos, faz a gente esquecer que vizinhos podem ser atuantes, nem que seja para servir de personagens de um blog.