Havia dois porteiros naquele prédio, um jovem, robusto, pele morena, simpático e dinâmico. Dava atenção a qualquer morador que chegava pela porta de entrada e passava pela pequena cabine onde ele ficava a noite trabalhando. Permanecia atento a qualquer movimento, quando os moradores chegavam em seus carros ou de ônibus. Como se estivesse preocupado com aquela pessoa, a protegendo com seu olhar atento.
O outro porteiro tinha quase o dobro de idade do moreno, bigode farto e grisalho, óculos de grau e jeito mais acolhido. Ficava quase o tempo todo dentro da cabine, distraído em seu mundo. Quando os moradores chegavam no fim do dia de seu trabalho, ele mal percebia, muitas vezes as pessoas tinham que chamá-lo para ele abrir a porta de entrada, pois ele ficava de cabeça baixa, encolhido no seu jeito de ser. Talvez fosse o frio que estivera fazendo ultimamente, talvez fosse o sono de horas acordado à noite na lida. Eu nunca gostei muito dele, julgava-o incompetente, pois trabalhava com um enorme descaso. Chegava à noite da faculdade e, ao sair do ônibus, procurava dois olhos que estivessem atentos ao que lhe rodeava, mas não. Deparava-me com um porteiro apático e perdido em seus pensamentos. Muitas vezes tinha que pegar o molho de chaves lá no fundo da bolsa, pois ele não me enxergara a sua frente.
Sua atitude nunca mudava, e minha implicância com ele foi crescendo. Pensei em ir numa reunião de condomínio pela primeira vez na vida e desabafar meu desgosto. Mas será que só eu era a malvada que não gostava do pobre velho trabalhador?
Um dia, chegando de um passeio, ía tirando as chaves do bolso ao avistar, de longe, que não era o porteiro mais novo que estava lá. Como de costume, o grisalho não me viu quando estava abrindo a porta do condomínio e eu resolvi olhar atentamente para saber o que ele fazia lá dentro de sua cabine (assistir TV, dormir, fazer cruzadinhas?) e percebi que ele estava desenhando figuras geométricas.
Nossa!!! Tudo ficou claro para mim! O sonho dele era ser arquiteto e nenhum morador desconfiava. Ele sempre ficava trancafiado em sua cabine de um metro quadrado a devanear sobre os prédios que desenharia, os monumentos e obiliscos que projetaria. E em todas as noites que eu o julguei, ele estava a desenhar figuras que poderiam, um dia, ser uma fantástica obra. Ele adorava os prédios antigos da cidade e sempre na ida ao trabalho, observava da janela do ônibus as formas que eles tinham. Vira na TV prédios esculturais de Gaudí, e, desde aquela época, já sabia que o queria era ser arquiteto, mas dos grandes.
Ao visitar sua prima rica, se viciara no canal a cabo onde passava documentários e programas sobre prédios famosos do mundo inteiro. Muitas vezes ele ficava brabo, pois a prima não percebia que ele adorava assistir aquele canal, e trocava para as novelas globais. Logo, se despedia, voltava para a sua casa, tomava banho, bebia um café com bolachas e ía para seu rotineiro ofício de representar um porteiro.
Obs.:Esta crônica fiz em homenagem ao porteiro que mais me causou irritação. Hoje em dia, os dois porteiros citados acima não trabalham mais no meu prédio.
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